Mudanças climáticas

Onda de calor traz alerta aos trabalhadores

Aumento da temperatura global causado pelas emergências climáticas tornará o “estresse térmico” um fenômeno comum, podendo levar à hipertermia e à morte

CUT-SP

Solange Cristina Ribeiro - Secretária de Meio Ambiente da CUT-SP

A América do Sul e o Brasil registrarão nas últimas semanas de setembro de 2023 uma onda de calor intenso de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Neste período, as temperaturas vão superar os valores médios históricos em todas as regiões do país, com grande possibilidade de quebras de recordes absolutos de calor: algo muito danoso à saúde humana e ao equilíbrio ambiental.

Em vários estados, o calor será de muito intenso a extremo, sendo que a previsão é de que massa de ar quente marque perto ou acima de 40ºC e, em algumas regiões, é possível que a temperatura chegue até os 45ºC. No estado de São Paulo, haverá muitos dias de calor intenso a extremo. Em algumas regiões do interior do estado, a temperatura ficará perto ou acima de 40ºC e, na capital, há chance de marcas que cheguem aos 39ºC. Assim, é possível que a cidade de São Paulo e outras cidades paulistas tenham recordes históricos de máximas não apenas para setembro, mas para toda a série histórica: o dia mais quente já registrado na cidade de São Paulo em setembro foi de 37,1ºC, em 30 de setembro de 2020, segunda maior máxima da série histórica, só atrás dos 37,8 ºC registrados em 17 de outubro de 2014.

Emergências climáticas: o planeta em fervura

Isso não está ocorrendo somente no Brasil e na América do Sul: o mês passado foi o agosto mais quente da história do planeta, com vários continentes registrando temperaturas recordes, segundo a Agência Americana Oceânica e Atmosférica (NOAA). Já o dia 3 de julho de 2023 foi o dia mais quente da história já registrado numa escala global, também de acordo com a NOAA.

Esse aumento na temperatura média global não é por acaso, mas, sim, tem relação direta com as emergências climáticas causadas pelas atividades econômicas humanas que emitem Gazes de Efeito Estufa (GEEs). O aumento na concentração de GEEs na atmosfera (como dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, entre outros) faz aumentar a absorção de radiações solares, aprisionando parte do calor destas radiações na atmosfera, ampliando o “efeito estufa”, gerando o aumento das temperaturas médias globais, bem como gerando emergências climáticas. Os GEEs são lançados na atmosfera por meio de diversas atividades econômicas humanas: a fabricação de um tênis emite GEE, um passeio de carro também, a construção de uma casa, queimadas, criação de pastagem para gado, desmatamento, a criação de enormes rebanhos de animais, produção de aço, plantação de soja, entre outras atividades, emitem GEE.

Não se engane: a relação direta entre o aumento das emissões de GEE e o aumento das temperaturas do planeta é um consenso científico: desde a 1ª Conferência sobre Clima da Organização das Nações Unidas (COP 1), realizada em 1995 na Alemanha, há um consenso de acordo com o qual um aquecimento médio global de 2ºC em relação ao período pré-industrial causará emergências climáticas e desequilíbrios ambientais extremos e irreversíveis.

Como exemplo de impactos das emergências climáticas, temos o derretimento de geleiras polares, com aumento no nível do mar e inundação de áreas litorâneas densamente povoadas; mudanças nos regimes de chuvas, com intensificação das secas em locais que já sofrem com este problema e forte aumento de chuvas em outros locais; aumento na frequência de eventos extremos, como furacões, ondas de calor, ondas de frio, tempestades e nevascas pesadas. Todas estas mudanças provocarão alterações de ecossistemas, extinção de espécies e perda de biodiversidade, gerando consequências ambientais fortemente negativas. Tais alterações levarão, também, à perda de áreas agricultáveis, diminuição na produção de alimentos, fome, disputas por territórios e por água potável, conflitos por conta dos “refugiados ambientais”, aumento de doenças e fortes riscos de colapso total dos sistemas econômicos, sociais e políticos.

E os trabalhadores e as trabalhadoras?

O aumento da temperatura global causado pelas emergências climáticas tornará o “estresse térmico” um fenômeno comum. O estresse térmico é o excesso de calor no corpo em um nível maior do que ele pode tolerar sem prejudicar sua capacidade fisiológica. Tal excesso de calor aumenta o risco e a vulnerabilidade dos trabalhadores, podendo levar à hipertermia e à morte.

Entre os impactos à saúde podemos destacar a sobrecarga térmica, quando a temperatura corporal ultrapassa 38°, nestas condições o trabalhador poderá sentir: irritabilidade inexplicável, confusão mental, câimbras, febre, vômitos, desmaios, convulsões, tontura, taquicardia, cansaço severo repentino. Em ambientes ou climas muito quentes, doenças ainda mais graves podem ocorrer, como a insolação, choque térmico, rabdomiólise e insuficiência renal aguda (IRA).

Com a elevação das temperaturas, os impactos na saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras serão inevitáveis, em especial nas situações em que a rotina de trabalho impõe que ele seja realizado a céu aberto ou em ambientes fechados com baixa ventilação. Isso afeta, em especial, trabalhadores agrícolas e da construção civil, bem como trabalhadores do setor de coleta de lixo, trabalhos de reparação de emergência, transportes e entregas, turismo e esporte. Nos serviços públicos, atividade como varrição e manutenção de vias, serviço funerário, controle de trânsito, atividade de atendimento à população em situação de rua, combate a endemias e segurança urbana colocarão seus trabalhadores em risco. O problema do estresse térmico é ainda mais grave e predominante em países com déficits de trabalho digno, como no caso do Brasil.

Algumas projeções sugerem que, em 2030, 2,2% do total de horas de trabalho irão se perder devido às temperaturas elevadas – uma perda de produtividade equivalente a 80 milhões de empregos a tempo completo. Esta é, no entanto, uma estimativa conservadora porque, para além de levar em conta que o aumento da temperatura média global não excederá 1,5°C, pressupõe que os trabalhos agrícolas e de construção são realizados à sombra.

Uma transição ecológica justa para os trabalhadores

No atual paradigma econômico capitalista, pouco indica que conseguiremos reverter a estimativa de atingirmos um aumento de 2°C em 2037: de acordo com Global Carbon Project, há 66% de probabilidade de atingirmos esse valor de aquecimento global. Para revertermos a tendência de aumento de 2°C na próxima década, precisaríamos substituir a utilização de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) por energias renováveis (solar, eólica, geotérmica e maremotriz) o mais rápido possível, já que em 2018, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia, a participação da energia hidráulica, da biomassa, e outras fonte propriamente renováveis totalizaram aproximadamente 14% da fontes de energia utilizadas no mundo, enquanto que fontes não renováveis representam mais de 81%.

Por tais motivos, os trabalhadores e as trabalhadoras precisam articular agendas comuns de resistência à destruição planetária e de construção de alternativas econômicas, sociais e culturais ao capitalismo voraz que se pauta pelo crescimento econômico infinito, pela geração de lucros crescentes que gera desigualdades, mortes, destruição e colapso ambiental.

Precisamos construir uma Transição Ecológica Justa para os trabalhadores e as trabalhadoras, uma Transição Ecológica Justa para os mais pobres e vulneráveis, que são sempre os primeiros a sofrerem os efeitos maléficos das crises ambientais, sociais, políticas e econômicas. Esta Transição Ecológica Justa supõe trilharmos caminhos de avanços do bem-estar social com sustentabilidade ambiental e ampliação da democracia participativa. Temos que buscar um novo modelo de desenvolvimento com diretrizes claras e objetivas quanto à preservação do meio ambiente e políticas públicas que busquem a equidade e justiça social, com distribuição de renda e riqueza, emprego decente e salário digno; com a ampliação e o fortalecimento das políticas sociais universais como saúde, educação, saneamento e proteção social especialmente para as populações mais carentes.

Para isso, a Transição Ecológica Justa deve se basear em taxações financeiras, em investimentos estatais e multilaterais para a qualificação dos trabalhadores, para o desenvolvimento de novos processos de produção ambientalmente mais corretos, para a transferência de tecnologias mais modernas e mais limpas aos países em desenvolvimento, para a criação de um fundo de proteção social para o trabalho e para a vida decente em todas as áreas. Buscamos o controle dos fundos públicos, na direção de um projeto democrático, popular e ambientalmente correto.

Abaixo destacamos alguns elementos da transição, elementos retirados e adaptados da Cartilha “Transição Justa. Uma proposta sindical para abordar a crise climática e social”:

  • Investir na criação de empregos com trabalho decente em setores que contribuam para reduzir os impactos ambientais em geral e que ajudem as comunidades a se adaptarem às mudanças climáticas e às crises socioambientais em geral;
  • Fornecer medidas de apoio à renda, oportunidades de reciclagem e conversão de empregos para trabalhadores/as dos setores de grande impacto ambiental, bem como pensões garantidas aos idosos;
  • Garantir a proteção social e os direitos humanos;
  • Investir nas comunidades, nas regiões e nos povos que estão na linha de frente em relação à transição energética, à transformação industrial ou aos impactos ambientais;
  • Apoiar a troca de tecnologia e inovação para permitir a rápida transformação das empresas de energia e manufatura, bem como todos os outros setores econômicos, envolvendo os trabalhadores e as trabalhadoras e as comunidades nos planos setoriais de transformação das megacidades;
  • Desenvolver políticas de formação e capacitação nos novos setores criados;
  • Formalizar trabalhos associados a resgate, restauração e resiliência de comunidades atingidas ou ameaçadas pelos desastres ambientais;
  • Basear-se no diálogo social com todas as partes envolvidas, negociação coletiva com os/as trabalhadores/as e seus sindicatos para a introdução de mudanças no local de trabalho, produtividade de recursos e desenvolvimento de competências, em conjunto com a supervisão de contratos públicos e juridicamente vinculativos. 

Este é o posicionamento da CUT: precisamos de uma Transição Ecológica Justa para os trabalhadores e as trabalhadoras, pois não existe geração de emprego, renda e dignidade em um planeta morto!