25 de julho

Roda de conversa promove debate sobre as experiências da mulher negra

Evento no Sinergia Campinas reflete sobre o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil, lembrando a luta e a resistência das mulheres negras contra o racismo, o machismo, a violência, a discriminação e o preconceito

Sinergia CUT

Nice Bulhões

Os legados da escravidão: o racismo, a discriminação e a contínua injustiça. A abolição inacabada. A exploração dos corpos de pessoas negras. As vivências de mulheres negras brasileiras e africanas. A construção de bandeiras, de demandas, a partir do feminismo negro. Esses foram alguns dos temas tratados na roda de conversa “Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha”, realizada na sede do Sinergia Campinas, na tarde desta terça-feira, 25 de julho, quando a data é comemorada.

As palestrantes foram a engenheira agrônoma Wilma Fumo, moçambicana que está no país há quatro meses para fazer mestrado em Ciência de Alimentos na FEA/Unicamp, e a jornalista e especialista em comunicação Andréia Marques, repórter da Thathi Record TV. A mediadora foi a economista e professora Luci Crispim Pinho Micaela, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e membro do Coletivo de Mulheres Negras Tereza de Benguela. A abertura foi realizada pelos dirigentes sindicais Adão Luiz Carlos, coordenador do Coletivo de Combate ao Racismo do Sinergia CUT, e Rosana Gazzola Favaro, coordenadora do Coletivo de Mulheres do Sinergia CUT e da CUT Campinas.

Clique aqui e confira vídeo da abertura

Rosana, Wilma, Luci, Andréia e Adão (da esquerda para a direita)

As palestrantes

Durante a apresentação, a engenheira agrônoma Wilma falou que na África, com maioria da população de cor negra, a discriminação é socioeconômica. Apesar de ser o continente mais rico do mundo em recursos naturais, a África enfrenta o aumento da pobreza e da desigualdade com o impacto da Covid-19 e da guerra na Ucrânia. Segundo a ONU, o continente tem 546 milhões de pessoas vivendo na pobreza. “Quando eu falava que estava vindo para o Brasil, muitos me questionavam se eu viria mesmo, por conta da violência. Eu ainda não sofri racismo, mas algumas de minhas colegas já, e elas falam que o racismo aqui é sutil, de forma indireta.”

Wilma ainda trouxe exemplos de mulheres negras africanas que quebraram paradigmas e mostram a sua força. Um dos exemplos dado por ela foi o de Graça Machel, considerada uma das mais importantes ativistas africanas. Durante a Luta Armada da Libertação Nacional, atuou com a Frente de Libertação de Moçambique. Em 1976, casou-se com Samora Machel e se tornou a primeira-dama do país, atuando como ministra da Educação e Cultura no governo moçambicano por 14 anos. Em 1998, casou-se com Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul.

Já a jornalista Andréia falou da falta de oportunidades às mulheres negras no mundo do trabalho, bem como sobre a desigualdade salarial para esse público em relação às mulheres e homens brancos, principalmente nos meios de comunicação. “Há ainda nas emissoras de televisão poucas profissionais negras à frente das câmeras. Quando isso acontece, a tv contribui para a manutenção do racismo porque não respeita a diversidade”, contou.

“Na minha carreira, tive que quebrar padrões, combater falas racistas e ainda lidar com o machismo. Sei que inspiro muitas jovens negras a sonhar que também são capazes de conquistar um lugar no mercado de trabalho. É uma batalha difícil, de todos os dias, mas não vou parar”, enfatizou a jornalista.

Recolonização da mente

Luci lembrou que as mulheres negras são consideradas “fortes” no sentido de desumanização e de discriminação, fruto do processo colonizatório. No século 19, eram operadas sem anestesia  e  a prática, infelizmente, ainda continua  em pleno século 21. “Há relatos ainda de cirurgias com pouca anestesia para mulheres negras, como se não sentissem dores.”

Segundo a professora, estigmas como este são reproduzidos em diferentes setores da sociedade. Por isso, a discriminação acaba sendo implantada em vários setores, como no sistema criminal, reproduzindo como algo estrutural, mesmo em espaços onde são implementadas políticas de direitos humanos. “Toda herança colonial ainda se faz muito presente e precisamos fazer a ‘recolonização de nossas mentes’, frase dita por Aristides Pereira, primeiro presidente da República de Cabo Verde ”, disse.

Também afirmou que muitas mulheres negras não se sentem representadas pelo momento feminista ocidental. “Durante muito tempo, construímos a história do feminismo pautado na mulher branca, na luta da mulher branca contra os privilégios do homem branco. Isso vem mudando e nós, mulheres negras, estamos enfrentando veementemente.” A história mostra que o movimento das sufragistas apagou, não inseriu, as mulheres negras. Leia aqui trecho de livro da jornalista Koa Beck sobre este assunto.

Também citou a política brasileira de braqueamento, que até hoje invisibiliza a presença negra e é fruto de “teorias raciais” de cientistas estadunidenses e europeus que buscavam relacionar características físicas e biológicas com diferenças culturais e morais, usadas posteriormente implantar ‘leis segregacionistas’ nos EUA e na África do Sul. “O Brasil bebeu também dessa política racista.”

A data

Trinta e um anos de criação do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, pela Organização das Nações Unida (ONU), durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. Nove anos da entrada em vigor da Lei 12.987/2014, sancionada durante o governo de Dilma Rousseff (PT), que estabeleceu o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil. Ambas as datas são comemoradas em 25 de julho e têm o objetivo de denunciar o racismo e machismo enfrentados por mulheres negras, não só nas Américas, mas também ao redor do mundo.

Tereza foi a líder do Quilombo do Piolho ou Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia, e, por 20 anos, liderou a resistência contra o governo escravista e coordenou as atividades econômicas e políticas do Quilombo. Tereza era de tal importância e magnitude que todos a tinham por “Rainha Tereza”. Leia mais sobre Tereza, clicando aqui.

Fotos