TRT de SP decide confiscar 20% de salário de trabalhadora que não pagou advogado

Trabalhadora perdeu ação e como não pagou o advogado da parte contrária, o Tribunal de Justiça de SP decidiu confiscar parte do seu salário. Para juiz do trabalho, decisão é polêmica e pode ser questionada

Portal TRT 11

Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz

Uma trabalhadora de São Paulo perdeu uma ação trabalhista contra a Rede D’Or / São Luiz Serviços Médicos Ltda, e fez um acordo para pagar em 10 prestações os valores referentes aos honorários de sucumbência, de R$ 31,9 mil, ao advogado da empresa.  

A Justiça do Trabalho pode cobrar da parte perdedora honorários de sucumbência, de 5% até 15% sobre o valor da ação. O princípio da sucumbência atribui à parte que perdeu um processo judicial o pagamento de todos os gastos decorrentes da atividade processual.

Como a trabalhadora não pagou a dívida, a 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho, da 2ª Região (TRT2), decidiu aprovar a penhora de 20% do salário dela até que a dívida seja quitada. Foram dois votos a favor da penhora, os da juíza do trabalho Katiussia Maria Paiva Machado e do relator da ação, Marcos Neves Fava. O único voto contrário foi o da desembargadora Magda Aparecida Kersul de Brito.

Para dar seu voto, o relator da ação se baseou no Código de Processo Civil (CPC), de 2015, em que consta que: “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho”.

Para comprovar que a trabalhadora poderia pagar a dívida, o juiz Neves Fava, admitiu como prova comprovante de pagamento do streaming Netflix, que custa hoje entre R$ 20 e R$ 55 ao mês, dependendo se a assinatura permite mais de um usuário na mesma conta.

Outro fator que pesou na decisão do relator, foi que a trabalhadora recebe salário acima de um mínimo (R$ 1.212), o que a permitiria sobreviver. Para o juiz, o percentual determinado para penhora “mantém os ganhos líquidos do executado acima do salário mínimo, padrão constitucional de garantia básica”.

O juiz do trabalho da 6ª Câmara do TRT (15ª região), e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, considera essa decisão polêmica. De acordo com ele, não se tem como comparar os honorários advocatícios de sucumbência de um profissional liberal com os salários de um empregado ou funcionário público.

“A mim não me convence pessoalmente esse argumento de que a relativização da impenhorabilidade dos salários no CPC permite que sempre se penhorem até mesmo salários de trabalhadores para pagar honorários advocatícios”, diz Guilherme Feliciano.

“Apenas se houver uma alteração na condição patrimonial do trabalhador, se ele enriqueceu, é que seria possível a cobrança dos honorários advocatícios. Não tenho este detalhe, mas a reclamante que terá os salários penhorados, possivelmente é beneficiária da assistência judicial gratuita”, avalia.

O advogado do direito do trabalho, Fernando José Hirsch, do escritório da LBS que atende a CUT Nacional, considera o voto do relator, em que ele define que ganhar mais do que um salário mínimo é ter poder de compra para assinar um canal de streaming, uma decisão controversa. Para ele, seria precisio comprovar que a trabalhadora tem bens que justifiquem a penhora, como casas de alto padrão.

“Definir o salário mínimo como valor de subsistência é um absurdo. Hoje não dá , sequer, para comprar uma cesta básica em São Paulo, e está longe do mínimo necessário para a sobrevivência de acordo com o Dieese, que é de mais de 6 mil reais”, afirma.

Outro ponto discutível, segundo Hirsch, é que esta é a primeira vez que ele tem notícia de que o salário de uma trabalhadora será penhorado. Via de regra, os juízes do trabalho decidiam pela penhora de ganhos de empresários.

“Há uma discussão no meio jurídico nos casos em que uma empresa fali e o dono vai trabalhar num bom cargo, ganhando altos salários. Algumas vezes, a justiça do trabalho penhora o salário desse executivo; outras vezes não. É um assunto muito discutível, mas nunca soube que assalariado que perdeu uma causa terá penhorado o seu ganho”, conta Hirsch.

STF considera a penhora de salário inconstitucional

O Supremo Tribunal Federal (STF) ao analisar um artigo da reforma Trabalhista do governo Michel Temer (MDB-SP), que obrigava o trabalhador que perdesse uma ação a pagar o advogado da parte contrária, decidiu que a penhora dos salários do trabalhador é inconstitucional. Esta decisão foi de outubro de 2021.

Ao que parece, diz Guilherme Feliciano, a turma do TRT 2 apenas não considerou essa decisão do STF  porque o acordo celebrado do parcelamento dos honorários teria sido anterior à decisão da Corte máxima do país.

“Me parece que a reclamante pode questionar a decisão a partir de uma ação rescisória. De todo modo hoje em dia o Supremo já não entende como possível esse tipo de cobrança de honorários, em face de trabalhador ser beneficiário da assistência judiciária gratuita”, conclui o juiz do trabalho.

O Advogado do LBS vê com preocupação a relativização da decisão do Supremo, de considerar a penhora ilegal.

É um retrocesso social que inibe o trabalhador de procurar seus direitos– Fernando José Hirsch

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